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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O ungido Senhor!!!


Os limites da autoridade espiritual

O Ungido do Senhor

*José Gonçalves



“Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas ( Sl.105:15).




Assassinos de profetas

Ouvi certa vez um jovem pregador falar em um grande Congresso de Missões. Possuidor de uma grande eloqüência e uma retórica refinada, ele discorria sobre um tema relacionado à autoridade espiritual. A certa altura de sua pregação, já com seu sermão bastante inflamado, ele disse: “Há muitos assassinos de profetas neste país”. Nas suas palavras os pregadores envolvidos em ministérios como os de cura e libertação estavam sendo sacrificados pelos “assassinos de profetas”. Ficou subtendido na sua fala, que ele fazia referência aos apologistas cristãos que questionaram os ensinos de outros grandes pregadores.
Ainda segundo aquele jovem Ministro esta teria sido a causa de um famoso pregador norte americano não ter vindo mais pregar no Brasil. De acordo com ele, quando fora indagado por que não viera mais ao Brasil, aquele pregador teria respondido: “a igreja brasileira fechou as portas para mim”. O jovem evangelista deixou claro em seu sermão, que Deus julgaria os “assassinos dos profetas”. Em outras palavras, os que se levantassem contra a autoridade espiritual dos ungidos do Senhor não ficariam impunes.
Tive a oportunidade de ouvir aquele pregador outras vezes, e mais uma vez a unção de Deus estava sobre ele. Era visível que ele pregava com autoridade. Todavia pude constatar que ele ainda não conseguira esconder o seu desconforto com os apologistas (leia-se assassinos de profetas) que criticavam ministério como o dele e o de outros. Este fato levou-me à pergunta: a autoridade espiritual nos coloca acima do bem e do mal? Os Ministros do Evangelho estão acima da crítica? Dizendo isto de outra forma: o ungido do Senhor pode dizer o que quiser sem se sujeitar a qualquer julgamento? Ou ainda: temos o direito de invocar maldições sobre os nossos oponentes?

Mapeando a crise de autoridade eclesiástica

A autoridade espiritual é uma doutrina muito clara nas páginas da Bíblia. Mas ultimamente ela vem sendo mal interpretada. Alguns fatores a meu ver têm contribuído para isso. Vamos elencar dois deles:

1. O Humanismo e o iluminismo

Até o surgimento do humanismo (1300 d. C), movimento que tinham no homem o seu principal centro, os dogmas da fé cristã eram pouco questionados. O humanismo veio incentivar o livre pensamento, e com isso o questionamento das verdades reveladas. A autoridade eclesiástica recebeu duras críticas. Outro movimento, denominado de iluminismo (1600 d.C), corrente filosófica que pôs a razão (raciocínio) como foco da existência humana, veio aumentar mais ainda a distancia entre ciência e fé. Foi nesse contexto que surgiu pensadores como René Descartes, Immanuel Kant, Friedrich Nietzsch e mais recentemente Jean – Paul Sartre. Todos estes pensadores fizeram parte de um contexto onde as verdades reveladas foram postas em xeque. Nietzsch, por exemplo, acusou os clérigos de domesticar os seus fiéis, impondo-lhes uma conduta moral, a qual ele denominava de “moral de escravos” com o fim de dominá-los.
Não há dúvida que somos uma geração herdeira de uma autoridade contestada. Nunca na história do cristianismo ocidental o Ministro do Evangelho esteve tanto em baixa. A mídia o ridiculariza, as autoridades constituídas o desconsidera e muitos crentes não aceitam a submissão. É bom lembrar que a autoridade espiritual do Ministro do Evangelho é uma doutrina bíblica e ele tem o direito de exercê-la (1 Tm 4:13), e os crentes tem o dever de se submeter a ela (Hb 13:17). Este é um fato incontestável. Mas por outro lado alguns tem ido a extremos no exercício da autoridade espiritual, provocando uma reação negativa por parte dos apologistas aos abusos gerados por conta do mau exercício dessa autoridade.

2. Abuso de autoridade

A rejeição à autoridade espiritual de alguns ministros do evangelho tem na sua gênese basicamente dois fatores:
a) O relativismo moral do Ministro - que tem aberto a porta às contestações tanto vindas de fora da igreja como de dentro dela. Os escândalos (sexuais, financeiros, etc), e os maus testemunhos tem sido os grandes fomentadores da crise de autoridade que ora passamos. Um ministro sem integridade moral não pode reivindicar autoridade espiritual.
b) Desvios doutrinários – este é outro fator preocupante, quase todos os grandes pregadores que conheci ou tive contato de alguma forma, estiveram sob acusação de quebrarem a ortodoxia cristã. Em palavras mais simples, quase todos os pregadores de renome estão sob a acusação de algum desvio doutrinário. Alguns têm sido acusados de promoverem a adoração Angélica, outros são acusados de humanizar Deus e divinizar o homem, enquanto outros são acusados de grosseiras heresias. É justamente neste ponto que a autoridade espiritual desses obreiros tem sido questionada. Por isso irei me deter mais detalhadamente neste ponto.

O foco da crise

Nos anos noventa ensinos que até então eram identificados como pertencentes ao movimento da Nova Era, entraram como uma enchurrada em muitas igrejas de confissão protestante. Práticas que dantes só se viam em evidência em grupos de ioga, meditação transcendental, ciência cristã, e até mesmo em seitas xamanistas, passaram agora a serem pregadas também em muitos púlpitos de igrejas que se diziam evangélicas. As críticas por parte de setores representantes do cristianismo ortodoxo não demoraram a aparecer, o livro A Sedução do Cristianismo de autoria do norte-americano Dave Hunt abriu essa frente de ataque. Alguns apologistas foram duros em suas palavras taxando essas práticas dentro das igrejas de heresia, enquanto outros foram mais brandos denominando o mesmo movimento de “desvio doutrinário”. Por outro lado muitos pregadores do arraial protestante que haviam sido influenciados por essa nova escola de pensamento se defendiam como podiam. Um dos textos usados com freqüência na auto defesa dos pregadores da fé era: “Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas” (Sl 105:15).


A “autoridade espiritual” fora do arraial evangélico

Um fato deve ser destacado aqui acerca desta forma de defender a autoridade espiritual ou unção profética - ela não se restringe ao arraial evangélico. Na história da igreja, outros grupos que se intitularam “cristãos” procuraram impor a sua autoridade valendo-se de uma suposta unção profética. Em 1870, a igreja católica aprovou o dogma da infalibilidade papal, isto é, o papa é infalível. Em sua conclusão o documento invoca a autoridade papal e ameaça a quem se atrever a contradizê-lo. Assim reza o documento da santa sé:
“...Nós [i.é, o Papa Pio IX], aderindo fielmente à tradição recebida desde o começo da fé cristã, com vista à glória do divino Salvador, à exaltação da religião católica e a segurança do povo cristão (com a aprovação do sagrado concílio), ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o romano pontífice, quando fala ex cathedra (i.é, quando cumprindo o ofício de pastor e mestre de todos os cristãos, em sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina concernente a fé e aos costumes para que seja admitida pela Igreja Universal), pela divina assistência que lhe foi prometida no bem-aventurado Pedro, é dotado daquela infalibilidade com que o divino redentor quis que sua Igreja – definindo uma doutrina concernente à fé e aos costumes – estivesse equipada. E portanto, que tais definições do romano pontífice são irreformáveis por si mesmas e não em virtude do consentimento da Igreja. Se alguém presumir (o que Deus o impeça!) contradizer esta nossa definição, seja anátema (amaldiçoado).”
O fundador do mormonismo, o norte americano Joseph Smith, não deixou por menos. Em um de seus livros ao qual afirma ter recebido por revelação há uma ameaça para aqueles que tentarem matá-lo. Diz o texto:
“E assim profetizou José (José do Egito), dizendo: Eis que o Senhor abençoará este vidente (Joseph Smith); e aqueles que procurarem destruí-lo serão confundidos, por que esta promessa que obtive do Senhor para o fruto dos meus lombos será cumprida. Eis que estou certo do cumprimento desta promessa”


O que significa: “não toqueis nos meus ungidos?”

Diante destes fatos é fácil concluir que a expressão bíblica “não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas” está sendo mal interpretada. Evidentemente que ela não foi dada para proteger desvios doutrinários, e muito menos heresias. De acordo com os léxicos de hebraico, a palavra hebraica “naga” pode ser traduzida de diferentes formas, tais como: “alcançar”, “ferir”, “tocar”. Na sua forma verbal, esta palavra ocorre 150 vezes no texto sagrado. De acordo com os hebraístas “o verbo tem o sentido de estender a autoridade sobre alguém, reivindicando tal pessoa como sua ou infligindo-lhe um golpe (Jr 4:10,18; Jó 1:19; 5:19). Deus proíbe que as pessoas atinjam seus profetas (1 Cr 16:22), seu povo (Zc 2:8) ou sua herança (Jr 12:14). Estes são santos e lhe pertencem”.
Três fatos podem ser tirados como conclusão do que disse até este ponto:
1. A promessa de proteção foi feita primeiramente aos patriarcas (Sl 105:15). Derek Kidner observa: “A referência do versículo 15 é mais especificamente a Gn 20:6-7, onde Deus diz de Abraão: “ele é profeta”
2. A promessa de proteção é feita também pelo Senhor a todo o seu povo (Zc 2:8, a mesma palavra

hebraica é usada). “Os ungidos” são aquelas vasilhas de Deus, consagradas a seu serviço, “nos quais (como disse Faraó a José, Gn 41:32) está o Espírito de Deus”.
3. A promessa diz respeito à proteção física. Hank Hanegraaff sublinha: “as palavras “toqueis” e “maltrateis” pelo contexto, referem-se única e exclusivamente a inflição de dano físico a alguém. Portanto, o Salmo 105:15, como texto isolado, não impede em absoluto ninguém de questionar os ensinos dos autoproclamados homens ou mulheres de Deus”.
Dentro do que estamos falando, estas palavras de Hanegraaff merecem nossa atenção. Parece uma coisa lógica: Deus não promete nesta passagem bíblica proteção para aquilo que é fruto de ações irrefletidas e irresponsáveis, e nisto podemos incluir também as palavras e pensamentos de alguém. E ainda: mesmo que nossas mensagens sejam postas no tribunal, assim mesmo não temos o direito de reclamar, pois, a própria Escritura diz que no caso de alguém profetizar, os outros “devem julgar a profecia” (1 Co 14:39).

Autoridade e validade do que se diz

Ao cristianizar os ensinos do filósofo grego Aristóteles, Tomás de Aquino disse: “os argumentos não são aceitos pela autoridade de quem diz, mas pela validade do que se diz”. Ora a verdade não deixa de ser verdade porque é dita por um ateu. Se o que ele diz é verdadeiro, então isso será verdade em todo lugar. Não é a autoridade de quem diz, mas a validade do que se diz. Da mesma forma a mentira não se torna verdadeira somente porque foi um cristão quem a propagou. Continuará sendo uma mentira. Um desvio doutrinário ou uma heresia continuarão sendo sempre um erro, mesmo que eles sejam ensinados pelo mais respeitado dos pregadores cristãos. Quando se questiona, por exemplo, os ensinos de algum pregador não é simplesmente a sua autoridade de Ministro do Evangelho, mas os seus ensinos. É valido aquilo que eles pregam e ensinam?, isto é, tem fundamentação bíblica as suas palavras?
Não quero aqui questionar a autenticidade dos ministros que aqui citei (tais como a ocorrência ou não de milagres, curas, etc em seus ministérios), mas a validade do que eles têm pregado. Podemos citar como exemplo moderno de pensamentos que quebram a ortodoxia cristã aqueles que, por exemplo, diz que a trindade é um composto de nove deuses, e que “nós somos encarnações de Deus assim como foi Jesus de Nazaré” e ainda o que afirma que “Satanás venceu Jesus na Cruz”. Hanegraaff ainda observa que “o que distingue os representantes de Deus, acima de tudo, é a sua pureza de caráter e doutrina (Tt 1.7-9; 2.7,8; 2 Co 4.2; cf. 1 Tm 6.3,4). Se um suposto porta-voz de Deus não pode passar no teste bíblico do caráter e da doutrina, nada nos obriga a aceitar suas reivindicações e tampouco ter medo de criticar suas doutrinas antibíblicas”.
Devemos tomar nota destas palavras: “o teste bíblico do caráter e da doutrina”. Quase todos os abusos de autoridade que já tomei conhecimento, por trás há um caráter deformado ou uma doutrina deficiente que lhe dão suporte. De nada vale imprecarmos maldições sobre àqueles que nos atacam se não estamos sendo fiéis às Escrituras. De nada adianta dizermos “não toqueis nos ungidos do Senhor”, se a unção não está mais conosco. Foi Salomão quem disse: “Como o pássaro que foge, como a andorinha no seu vôo, assim, a maldição sem causa não se cumpre” (Provérbios 26:2).

* José Gonçalves, Ministro do Evangelho Em Teresina, PI, conferencista, escritor e vice-presidente da Comissão de Apologia da CGADB